Sempre dizem que depois da morte não existe mais vida. Sempre acreditei nisso. Era como olhar pelo espelho e, simplesmente, não me ver. Talvez um dia gostaria de experimentar essa sensação, mas não queria que fosse tão rápido.
Parece que foi ontem que você disse que me amava, mas que devia ir viajar logo. Eu gritei pela janela do apartamento dizendo para você não ir, que você não estava calmo suficiente para pegar a estrada - ainda mais a noite - mas como ninguém me ouve, ninguém nunca me ouviu, você pegou a estrada.
Era muito tarde, quase de madrugada, quando você chegou. Trancou a porta. Respirava ofegante.
Eu arrumava uns livros e estava sentada no chão, na beira da cama. Ouvindo você entrar eu gritei:
- Esqueceu a chave e subiu correndo, não é?
- Tam-bém é.. uma busca... sem cessar... c-o-m-o...
Eu me virei, é claro, você nunca falava desta forma. Seu olhar estava diferente, mais terno, mais... distante? Não sei. Achei que estava com vertigem, mas parecia que atrás de você tinha uma aura.
- Tudo bem? - Eu perguntei. Sabia que havia algo... diferente - se não até errado - estava ou tinha acontecido.
- Como você me vê? - Você disse, meio sorrindo.
- Lindo, como sempre. Mas eu não disse para você levar a camisa? - Eu te estranhava cada vez mais.
Mas foi quando você se aproximou da cama, ajoelhou-se no chão. Eu agora podia ver, atrás de você existia uma luz. Nunca tinha notado.
- As coisas aconteceram muito rápido, eu sai, coloquei a camisa e guiei. A ira me cegava. Dirigia rapidamente, a pista estava vazia, mas de repente sugiu um caminhão. Tudo se apagou. Do nada eu me vi na estrada sangrando. Meus pés não pisavam o chão, eu flutuava. Não conseguia pensar em nada, até que eu percebi que estava aqui na porta do apartamento. A respiração, parecia me faltar. Abri a porta e to aqui. Não consigo acreditar...
- Você não tá alucinando? - Eu tentava entender, realmente, o que estava acontecendo, até que você se levantou. Não, você não pisava, você... flutuava!
- Não entende? Eu não vivo mais neste mundo! Eu... morri...
Minha visão já estava embaçada, eram as lágrimas. Você se ajoelhou.
- Não sei por qual motivo, não sei porque estou aqui. Mas eu te amo. - Seu olhar era ternura, era amor. - Desculpa me ocultar de você, de discutir com você. Mas eu to aqui. Eu sei que eu vou estar, algo me diz que eu sempre vou estar aqui, para você, por você. - Você esticou suas mãos. Eu podia te tocar, eu sentia.
- Você vai ter que viver comigo para sempre, vai ter que me tolerar. - Meus olhos cheios de lágrimas, mas meus lábios me traíam, formavam um leve sorriso.
- Agora eu sei. - Eu sorria. - Você era o anjo que entrava em minha vida e saia rapidamente, mas que iria permanecer para sempre, somente em mim, para mim e por mim, como nos sonhos que tinha desde que te conheci. Nunca vai me abandonar? - As lágrimas rolavam pelo meu rosto. - Por que não consigo chorar de tristeza como as outras pessoas? - Mas as lágrimas corriam minha face. Não era tristeza.
- Porque você é a unica que me terá assim e me sentirá para sempre. - Eu sabia, você sabia. Era amor.
A cena se repete, se renova.
Foi estranho te ver ao meu lado de manhã, enquanto as outras pessoas choravam pela sua "morte". Era novo estarmos no banheiro e não te enxergar no espelho, ao meu lado. Mas era bom, e eterno, dormir e sentir o teu abraço, sentir o seu cheiro, tudo como era antes, unicamente para mim.
Se antes eu não acreditava em vida pós a morte, agora eu acreditava na vida eterna. Não somente, mas também em amor eterno.
E agora estamos eu e você aqui, numa só aura, num só sentimento. É bom sentir que as coisas foram bem cumpridas, que o amor une as pessoas até a vida eterna. E por fim, é bom demais saber que eu vivo, aqui, depois da "morte".
Vida, realmente vividas, e amores verdadeiros duram mais que uma vida, eu sei.